
Cirurgia plástica e autoimagem – como é no Brasil e na Alemanha?
Você deve estar se perguntando o porquê desse post. Na verdade, acho interessante comparar cirurgias plásticas – preferências femininas no Brasil e na Alemanha por questões culturais. Será que em países tão diferentes o apelo da cirurgia plástica é o mesmo? E a cobrança pela perfeição acontece na mesma medida? A mulher alemã se vê da mesma maneira que a brasileira se vê em termos puramente estéticos? E por que procuramos a cirurgia plástica? Beleza, vontade de mudar e ficar mais bonita ou insegurança e autoestima baixa? Vamos explorar.
De acordo com a ISAPS – Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, o Brasil é um dos campeões mundiais em cirurgias plásticas, tendo realizado mais de UM milhão de procedimentos cirúrgicos no ano de 2018. Em 2019, esse número absurdo ainda aumentou 25%, de acordo com a SBPC – Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. A entidade realiza um censo bianual, que auferiu, por exemplo, que de 2014 até 2019 a maior parte dos pacientes tinham entre 19 e 50 anos.
Quais são os procedimentos mais procurados pelos brasileiros?
De acordo com a SBPC o aumento dos seios lidera, com quase 19%, seguido da lipoaspiração com mais de 16%, a dermolipectomia abdominal (retirada de excesso de pele e gordura) com cerca de 16% e a redução dos seios com quase 10%.
Procedimentos no rosto também ganham destaque, com a blefaroplastia (eliminação de gordura e pele das pálpebras) com cerca de 9%, a rinoplastia (cirurgia no nariz) com mais de 4% e o lifting facial – aquela levantada no rosto! – aproximadamente 3%. Sendo a maior parte das cirurgias feitas em mulheres (cerca de 87,4% são mulheres, de acordo com dados mundiais publicados pela The International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS). Vale se perguntar as reais razões da busca por cirurgias estéticas entre o público feminino.
Voltei a usar bíquini
Eu mesma já quis muito fazer algo na barriga, que ficou disforme depois da gravidez, com flacidez e estrias na região do umbigo. Isso era algo que costumava me incomodar muito nos primeiros quatro anos após o parto. Hoje, posso dizer que me incomoda bem menos.
Nesse último verão que passou aqui na Europa resolvi fazer as pazes com meu corpo e, pela primeira vez em quase sete anos, voltei a usar bíquini.
Tenho consciência que o fato de eu me sentir mal com minha barriga vem também do fato de as pessoas criticarem excessivamente o corpo feminino, e de a mulher que está fora dos padrões de beleza ser vista como “desleixada”, alguém que não se cuida. No meu caso, meu ex-marido fez eu ter vergonha da minha barriga pós-gravidez, e passei a fazer de tudo para escondê-la. Essa visão claramente nos influencia, mas devemos nos perguntar se estamos insatisfeitas com nossos corpos por um motivo nosso de querer mudar e se sentir mais bonita, ou simplesmente por causa da opinião alheia. Body shaming nos afeta e, consciente disso, eu decidi que iria sim usar bíquini e tentar aceitar meu corpo como ele é nesse momento, com suas marcas e cicatrizes.
Por que se um dia eu decidir partir para a cirurgia plástica, eu quero que essa decisão venha exclusivamente de mim, e nao da vergonha sentida pela falta de sensibilidade das pessoas ou pela opinião delas em relação ao meu corpo.
Seguindo essa linha de decidir mudar por nós mesmas, de acordo com o doutor Eduardo Kanashiro, cirurgião plástico, na maioria das vezes as mulheres fazem cirurgias plásticas para elas mesmas. “Querem restabelecer o corpo alterado com a gestação, corrigir imperfeições que sempre as incomodaram ou ainda diminuir os sinais da idade”, conta. Acho isso ótimo e fico feliz em ouvir um profissional dizer isso! De acordo com ele, apenas uma pequena parte procura o cirurgião por motivos psicológicos que merecem uma atenção maior antes da cirurgia.
O profissional também observa que a preocupação com a aparência é algo cultural: “A quantidade de cirurgias estéticas é muito variável de um país para outro e isso é resultado das diferenças culturais. É muito difícil mudar isso numa sociedade, pois o ser humano tem essa necessidade de aceitação pelos seus pares”, diz Kanashiro.
Como é na Alemanha?
Ele tem razão, pois na Alemanha, por exemplo, de acordo com um estudo conduzido com 2100 pessoas em várias regiões do país e publicado pela National Library Medicine, verifica-se que procedimentos estéticos cirúrgicos poderiam ser melhor vistos e ter uma abordagem mais positiva tanto pela mídia como pelas pessoas. Porém, isso não impede que o país figure no ranking dos dez países com mais procedimentos estéticos no mundo, ocupando a quarta posição.
Pela minha experiência pessoal, posso dizer que na Alemanha a cobrança pelo corpo perfeito é muito menor do que no Brasil. Há aqui bem menos apelo sexual na TV ou na publicidade usando o corpo feminino como objeto de desejo, o que resulta em o nu sendo tratado de forma mais natural (nudez em saunas públicas e lagos são comuns por aqui). Tudo isso contribui para uma imagem de si menos impactada pelas expectativas dos outros ou pelo padrão de beleza vigente. E por falar em auto imagem, como lidar com essa questão tão delicada na hora de fazer uma cirurgia plástica?
Autoaceitação e imagem
Para o Dr. Eduardo Kanashiro, é preciso antes de tudo avaliar se o descontentamento encontra respaldo na aparência física da cliente ou se tem a ver com algo mais complexo, como uma visão distorcida do próprio corpo. “O ideal é que o profissional saiba identificar o real problema da paciente para oferecer a melhor opção de tratamento. É preciso avaliar outras causas de insatisfação que vão desde a dificuldade de autoaceitação até o transtorno dismórfico corporal, por exemplo. Nesses casos, um acompanhamento psicológico e psiquiátrico deve ser indicado”.
Outro ponto interessante para o cirurgião é que as redes sociais e as selfies deixaram as pessoas mais críticas em relação à própria aparência.Você já reparou que agora dificilmente postamos uma selfie ou um stories sem filtro? É viciante! Eu mesma já baixei vários deles e uso filtros que escondem imperfeições, principalmente no stories. Os filtros alteram nossa percepção da nossa própria imagem. A gente quer estar perfeita em qualquer foto e isso pode ser perigoso. Eu tento me policiar, por que afinal, tenho manchas no rosto, marcas do tempo e tudo bem postar uma fotinha “real” vez ou outra.
As redes sociais nos expõe de uma forma nunca antes vista. Opiniões pipocam aqui e ali, elogios e críticas também. Ficamos mais vulneráveis.
O doutor Kanashiro conta que é comum pacientes chegarem ao seu consultório com fotos em posições que destacam o “defeito” que querem mudar. “Percebo que a imagem pessoal ganhou ainda mais importância depois do advento das redes sociais. A exposição é maior e as pessoas conseguem se analisar muito melhor diante de fotos do que no espelho e isso aumenta a autocrítica e o desejo de melhorar.”
Em uma sociedade ideal, as pessoas deveriam usar a própria imagem a seu favor. Mas não é o que acontece. Traços físicos podem facilmente ser confundidos com traços de personalidade, como bem explica Kanashiro: “Por exemplo, se a pessoa tem o queixo muito retraído, ela pode ser percebida, inconscientemente pelos outros, como alguém retraído, tímido ou com certa fragilidade. Para uma posição de liderança, essa imagem pode não ser a mais desejada e uma cirurgia, a chamada mentoplastia, tem a capacidade de dar mais força a essa aparência, podendo aumentar as chances de sucesso para essa pessoa”. Então na verdade não estamos falando somente de autoaceitação, mas da aceitação dos outros e do impacto que ela tem na hora de se decidir por uma cirurgia estética.
Plástica em adolescentes
Um ponto polêmico das cirurgias estéticas são os procedimentos realizados em adolescentes. Como saber se o desejo de mudar é algo real que fará diferença na autoconfiança da jovem, ou se tem fundamento apenas no apelo do padrão de beleza vigente? Para Kanashiro, o primeiro passo é a jovem conversar com os pais, que são as pessoas mais adequadas para orientá-la. Em seguida, os pais devem procurar um bom profissional. “O bom profissional saberá ouvir os anseios da jovem e discutirá com a família todas as possibilidades”. Mas atenção! Pais devem ficar atentos se a queixa dos jovens é um problema real ou apenas uma vontade fazer algo que está “na moda”. Isso faz toda a diferença e fazer uma cirurgia plástica pelos motivos errados pode acarretar em arrependimento posteriormente ou descontentamento com a própria imagem.
Doutor Kanashiro conta que até os 20 anos de idade as cirurgias mais procurada pelos jovens são aquelas que corrigem alguma característica inestética que é motivo de constrangimento desde pequena, “como a orelha em abano, o nariz muito grande ou algo até considerado reparador, como malformações congênitas”.
Izabela Derobi, bancária, é uma jovem que fez cirurgia plástica super cedo, aos nove anos de idade! No caso dela, a necessidade era mudar um traço físico que a incomodava: as orelhas de abano. Mas ela não parou por aí, já que desde os 14 anos os seios muito pequenos eram motivo de descontentamento. “Todas as minhas amigas tinham, e eu não. Minha mãe correu atrás de tudo da cirurgia, mas quem fez a cabeça dela foi meu pai! Meus pais pagaram as duas cirurgias. Mas ela confessa: “Minhas orelhas eu me arrependi um pouco, não de ter feito, mas de ter feito com apenas nove anos. Meu corpo mudou muito. Meu rosto, tudo. Acredito que eu poderia ter esperado mais.” E vai mais longe, acha que se houvesse menos cobrança da sociedade e um investimento maior no fortalecimento da autoestima as prioridades teriam mudado. “Ao invés de gastar dinheiro com cirurgia, gastaria dinheiro viajando. Em relação ao risco que corremos em entrar num centro cirúrgico, até pela grana. Até porque tendo um trabalho de auto aceitação paralelo eu teria preocupações com outras coisas”, assume. Apesar disso se diz satisfeita com as cirurgias e hoje se sente muito melhor com seu corpo, mais feminina depois do silicone, colocado aos 16 anos.
As marcas de uma cirurgia
Cirurgias plásticas são cirurgias. E como tal, requerem anestesia – local ou geral – e em muitos casos o pós-operatório pode ser bastante complicado. Há riscos e os mesmos não podem ser menosprezados. Além disso, existem as cicatrizes, temida por muitos pacientes. O doutor Alexandre Audi, cirurgião plástico e especialista em Cirurgia Plástica pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, explica que a sutura da pele é uma etapa complexa, por que cada pele vai responder de um jeito diferente. Isso explica por que, por exemplo, algumas mulheres que passaram por cesariana têm uma cicatriz imperceptível, enquanto outras ficaram com marcas aparentes (meu caso). “As células que formam a pele têm respostas que variam de acordo com cada área do corpo e com cada indivíduo”. Ele acrescenta que outros fatores também interferem nesses “cortes e costuras”. “É preciso realizar o repouso após todas as cirurgias. Os esforços e as tensões na cicatriz, antes da cicatrização completa, podem levar a cicatrizes alargadas e mesmo deiscências, que são os rompimentos dos pontos.” Ainda influenciam alterações genéticas, no caso dos negros e orientais, por terem maior predisposição a desenvolver cicatrizes hipertróficas e queloides. Minha mãe tem queloides e eu sempre tive medo de partir para uma cirurgia e ficar com uma cicatriz muito feia.
Outro fator interessante que o doutor Alexandre Audi cita, é o fato da cicatriz de uma cirurgia anterior nao ser referência para como sua pele ficará em uma nova cirurgia. “Isso nem sempre funciona, porque os procedimentos são diferentes assim como a pele de determinadas regiões do corpo. Não dá para se comparar a cicatrização em uma abdominoplastia e mamoplastia, onde se irá retirar excesso de pele, esticar e dar pontos, com à de uma cesariana em que sobra muita pele e não resta nenhuma tensão”, esclarece o cirurgião.
Brasil 7 x 1 Alemanha
É interessante notar que, embora sejam países de culturas muito distintas e com apelo estético diferentes, a causa da insatisfação das mulheres são praticamente as mesmas. A maioria quer aumentar ou levantar os seios, tirar gordurinhas da região dos olhos, braços e barriga ou “consertar” a barriga, normalmente por causa de gestações que deixaram marcas.
Alguns dados do ISAPS do ano de 2018, publicados em 2019.
O que você pensa sobre esse assunto? Faria algum procedimento cirúrgico se pudesse? Qual? Conta aí nos comentários.